terça-feira, fevereiro 15, 2005

Uma “confraria” Republicana (II)

Qual seria então o grande interesse que a alteração dos estatutos desta confraria despertava em Bernardo Chougas. Em Dezembro, Afonso Viana, médico municipal explica o resultado da alteração dos estatutos numa carta a Raimundo Meira.

Coura, 13-12-1913

Meu estimado amigo

Os trabalhos eleitorais, muito absorventes não deixaram-me tratar dos assuntos de interesse particular, por isso não acusei nem agradeci a carta de Vexa de 7 do passado.
A Confraria do Espírito Santo modificou os seus estatutos na parte referente à questão do médico. Esse projecto de modificação já deu entrada no Governo-Civil.
Na minha carta procurei demonstrar a Vexa. que a Confraria, ou antes, o seu prior. Não tinha em vista beneficiar o concelho, mas servia-se desse truc (assim no original) para me atingir apoiando-se nos meus próprios correligionários.
Há nesta questão as manhas de padre que a mim já não conseguem apanhar desprevenido. O concelho não fica beneficiado, fica exactamente nas mesmas circunstâncias e eu prejudicado nos meus legítimos interesses.
No acréscimo feito os estatutos era que a ideia está de harmonia com a gramática empregada, lá está: - “
dar da beneficência da confraria uma determinada quantia ao hospital da misericórdia para a sustentação de um partido médico com a condição de serem tratados gratuitamente os pobres da confraria”.- É aqui que está o número. Que pobres são estes? São os do Conselho administrativo, aqueles que eu, como médico municipal sou obrigado a tratar gratuitamente? Não são. São os pobres que a confraria entender, porque é ela que há de atestar sem responsabilidades legais, e assim pode atestar que os irmãos são na sua maioria pobres. Fica pois uma manifesta desigualdade entre mim e outros colegas, porque à sua clínica concorrerão todos, sabendo que não pagarão honorários, quando os podem pagar; basta munirem-se de um atestado do Sr. Prior.
Diz-me Vexa. que não devia estorvar o que a confraria dizia ser útil para a sua terra.
Há um reparo a fazer: se a confraria criar um lugar de médico privativo para os seus irmãos, indistintamente, está no seu direito, mas sujeita às cláusulas especiais das associações de socorros mútuos. Da parceria com o hospital não o pode fazer, porque o hospital tem nos seus estatutos a obrigação absolutamente legal de ter um médico seu para tratar dos pobres do concelho hospitalizados ou de quem se socorra dessa casa, mas que a título de médico do hospital tenha a obrigação de tratar cá fora doentes pobres seja a que confraria for, é que não pode ser, é cláusula que não pode ser incluída nas condições do concurso.
Já tive a ocasião de dizer a V. Exa. que não estou contra a criação de outro partido médico, podia até auxiliar esses desejos, mas médico que fique na sua clínica nas mesmas circunstâncias que eu, para se evitar desavenças entre colegas, que é muito feio. Cria a Câmara outro partido médico com a condição particular de ser esse médico também do hospital, ficaria o caso resolvido.
Enfim, para mim esta questão tem já uma medíocre importância, pois resolvi na primeira oportunidade sair daqui, o que faço com pesar porque certamente deixo o meu distrito, afastando-me da minha querida Viana. A oportunidade parece-me ser já, porque vai ser posto a concurso o lugar de médico da penitenciária de Coimbra e eu vou concorrer, e, até pedia que empregasse os seus bons ofícios junto do Sr. Ministro da Justiça para o meu provimento. Se escapar esta oportunidade outra aparecerá, porque eu estou com a firme resolução de me retirar.

De Vexa. Afectuosamente

Afonso Viana


Não posso garantir que o autor da carta anterior, Bernardo Chougas, fosse o padre que Afonso Viana nomeia nesta sua carta, mas uma coisa é certa, uma pequena minoria de padres acolheu com bom grado as novas determinações governamentais, tendo por isso recebido recompensas e apoios do governo central.