terça-feira, agosto 30, 2005

António Correia de Oliveira (1879-1960)

Nasceu em São Pedro do Sul e faleceu em Esposende. Estudou no seminário de Viseu, indo depois para Lisboa onde trabalhou como jornalista no Diário Ilustrado. Tendo casado com uma rica proprietária minhota, fixa-se na aldeia de Belinho, conselho de Esposende
Grande poeta neogarrettista, foi um dos cantores do Saudosismo, juntamente com Teixeira de Pascoaes e outros. Ligado aos movimentos culturais do Integralismo Lusitano e da revista Águia, Atlântida, Ave Azul e Seara Nova. Convictamente monárquico, transforma-se num dos poetas oficiosos do Estado Novo, com inúmeros textos escolhidos para os livros únicos de língua portuguesa do sistema de ensino primário e secundário. Foi o primeiro Português a ser nomeado para o prémio Nobel e a própria concorrente vencedora, Gabriela Mistral, declarou publicamente, no acto solene, que não merecia o prémio, estando presente o autor do “Verbo Ser e Verbo Amar”.
Obras poéticas: Ladainha (1897), Eiradas (1899), Cantigas (1902), Raiz (1903), Ara (1904), Tentações de S. Frei Gil (1907), Elogio dos Sentidos (1908), Alma Religiosa (1910), Dizeres do Povo (1911), Romarias (1912), A Criação. Vida e História da Árvore (1913), A Minha Terra (1915-1917), Na Hora Incerta (Viriato Lusitano) (1920), Verbo Ser e Verbo Amar (1926), Mare Nostrum (1939), História Pequenina de Portugal Gigante (1940), Aljubarrota ao Luar (1944), Saudade Nossa (1944), Redondilhas (1948), Azinheira em Flor (1954).

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domingo, agosto 28, 2005

A Casa de Belinho

A casa de Belinho a que Correia d’Oliveira se refere, situa-se em Viana do Castelo. Esta Casa, na realidade um palácio do Século XVIII, pertencia À família da mulher de António Correia d’Oliveira, originária de Belinho – Esposende e tinha sido cedido nos meados do Século XIX, para ser instalado, provisoriamente, o Liceu de Viana.
Com a construção de um novo liceu, a casa de Belinho ficou devoluta. Quando Raimundo Meira ocupou o cargo de Governador Civil de Viana, propôs a sua compra à família Correia d’Oliveira, para aí ser instalado o Governo-Civil.
O empréstimo a que o Poeta se refere é o empréstimo pedido pelo Governo-Civil para a compra do edifício. Correia d’Oliveira necessitava o dinheiro para poder criar o Colégio de Belinho, na Quinta de sua Mulher em Belinho.
Esta questão será ainda motivo de algumas cartas posteriores, mas a questão chegou a bom porto, o palácio de Belinho foi comprado, ainda hoje é a sede do Governo-Civil de Viana do Castelo e António Correia d’Oliveira fundou o Colégio de Belinho.

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O Poeta

Em 2 de Setembro, Raimundo Meira recebe uma carta de António Correia de Oliveira, Poeta, que tinha encetado negociações, para a venda do Palácio de Belinho em Viana, propriedade da família da sua mulher, para ali ser instalado o Governo Civil. Com o dinheiro da venda do palácio Correia de Oliveira desejava criar um colégio em Belinho, onde residia. A carta versa sobre as dificuldades com que o Governo Civil se debruçava para obter o empréstimo destinado à compra do palácio.

Novembro, 2.9.914
Belinho

Ex. Senhor
Meu bom amigo

Recebi, neste instante de meu irmão, a quem encarreguei de amparar o caso de Viana junto da Caixa Geral de Depósitos, onde tenho um valioso amigo, membro do Conselho de Administração, uma longa carta.
Em resumo, diz ele pela boca do seu competentíssimo informador: “Na Caixa está tudo feito: o empréstimo apurado e pronto a sair quando for preciso se devidamente reclamado.
O Bruschy diz que o que falta é somente um ofício de Viana pedindo a inclusão da importância do empréstimo na respectiva tabela das despesas.
Enfim, em Lisboa não há nada a fazer: tudo depende de Viana”.
Estas palavras, que impressionam pela sua flagrante nitidez e clareza, envolvem uma grande e bela noticia. A Caixa declara-se habilitada e disposta, sem mais dependências, a entregar o dinheiro, o que, como Vexa ainda me dizia há dias no Porto, é tudo.
Mas continua em ponto obscuro que, parece-me, creio que vai ser da mesma opinião. Urge e convém esclarecer, não vá ele ser a terrível casca de laranja. É o tal ofício. É certo que o Senhor Ramos Pereira disse que ele não é preciso. Certíssimo é também, todavia que os meus amigos e o próprio Brunchy, cujo parecer é de muitíssima consideração, dizem que ele é indispensável. Quem terá razão? Impõe-se o apuramento deste caso. E por todos os motivos, pela sua alta situação e influência, pelo seu nome ligado para sempre a esse alto benefício concedido à bela cidade do Minho, pela afectuosa simpatia que nos tem dispensado sempre, vexa pode, como ninguém, moral e politicamente remover esse obstáculo, pequeníssimo de resto, relativamente aos muitos que já venceu.
Informando-o disto, - como não podia deixar de fazer, venho pedir-lhe encarecidamente, mais uma vez, a bondade da sua atenção e do seu poderoso esforço, para vencer afinal, com brevidade, alegria e honra, esta grande batalha.
A casa de Belinho*, infelizmente, carece de ganhar uma certeza real nesta operação do aproveitamento do antigo liceu, com que Viana lucra e nós lucramos e cuja esperança tem sido, há um ano para cá, a base essencial dos seus novos planos de administração.
Devo também dizer que aquele amigo da Caixa Geral, recomenda que, informada e insistentemente que apressem a realização do empréstimo, porque, estando agora vencidas todas as dificuldades, podem, em todo o caso, neste apertado momento de crise, surgir embaraços financeiros e políticos, que tudo prejudiquem.
Isto é razoável e evidente.
E grande e grave pena seria que justamente sobre a última trincheira se perdesse a esperança que tanto esforço, tantos trabalhos e tamanha dedicação lhe tem custado. Mas nas suas boas mãos, como até aqui, continua tudo, e não podia estar melhor. Urge uma acção enérgica e decidida. Imagino que uma sua jornada a Viana resolveria tudo…
Perdão por todas estas fadigas que lhe dou. Fico ansiosamente, esperando as suas novas.
Deus traga com elas, uma boa noticia.
Para Vexa de toda esta casa amiga, mil cumprimentos e afectos.
Com a mais alta estima e a mais alta consideração, seu amigo e criado

António Correia d’Oliveira

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quarta-feira, agosto 24, 2005

Desalento

As lutas internas no Partido Democrático traziam o desalento Às suas hostes. A ele se refere Rodrigo de Abreu Lima na carta que escreveu a Raimundo Meira em 26 de Agosto de 1914.

Meu caro Meira

A sua carta última acabrunhou-me um pouco porque francamente é muito triste ver esse desalento nas pessoas que no meio deste bacanal político conseguem aguentar-se de cabeça erguido. O meu amigo pertence a esse número.
Ninguém mais do que eu, tanto muitos, tem sido coberto de desgostos e contrariedades mas não vejo bem assistir-me
Á possibilidade de me por já de parte. Tenho tido nos últimos tempos as maiores contrariedades por a situação política aqui, mas não surpresas, porque sempre previ um conflito grave.
Ainda que me não queiram ouvir, tenho para mim a plena certeza de que tudo isto parte simplesmente dum único ponto, de um único erro em que nos temos deixar de cair.
Colocar o Antunes e o Peixoto em dois lugares de preponderância e para cujo exercício não é a melhor altura. Sempre disse isto e assim é, acredite.
Têm feito as maiores vergonhas, tão grandes que não só envergonham o partido, mas também a república.
Duma ignorância atroz, duma estupidez flagrante criaram uma situação insustentável. Querem remediar isto? Não os expulsem do partido, que ninguém tem esse direito, mas ponham-nos na posição que lhes compete.
Pensa-se numa reunião partidária com representantes de todos os concelhos, para essa reunião ser nomeado de comum acordo um dirigente! De tudo isto será o único remédio.
Esse dirigente só pode ser um, embora outros o auxiliem.
Saber quem é? Pense meio segundo imparcialmente e já o descobre.
Se esse não quiser e entender que tudo isto já não vale mais um sacrifício, então da minha parte e de muitos outros só nos resta ir para casa.
O Luís Filipe ficou de ir aí amanhã.
Muito obrigado por todas as suas referências.

Um grande abraço muito amigo do

Rodrigo de Abreu

26/8/1914

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segunda-feira, agosto 22, 2005

Damião José Lourenço Júnior (1876 - ?)

Nasceu a 16 de Novembro de 1876, formou-se em Medicina. Seguiu desde 1896 a carreira militar, sendo promovido a alferes médico miliciano em 1916. Em 1913 foi eleito deputado pelo círculo de Viana do Castelo pelo Partido Democrático.
Governador Civil de Viana do Castelo entre Setembro de 1915 e Maio de 1917 – 616 dias – o segundo maior durante a primeira república.
Parlamentares e ministros da 1ª República - Marques, Oliveira(coord.). Assembleia da República, Lisboa, 2000

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Lutas Internas

Damião Lourenço Júnior, deputado do Partido Democrático por Viana do Castelo, escreve, a Raimundo Meira dando conta do enorme conflito entre dois grupos do Partido Democrático que, segundo ele estava a colocar em perigo a posição do seu Partido. Em desespero de causa pede a Raimundo Meira que tente apaziguar os confrontos dentro do Partido Democrático.

- Confidencial –

Caminha, 18-8-1914

Meu prezado amigo

Fui ontem pela primeira vez a Viana por ter chegado um pouco adoentado de Lisboa.
Não imagina o meu bom amigo do estado caótico em que se encontra a política daquela cidade. Entre o grupo do “Povo” e o grupo do Antunes vai-se cavando um abismo de tal ordem que, se alguém vai tratar de estabelecer a harmonia entre ambos, ou pelo menos obrigar o bom senso a fundir todos os interesses políticos locais, afigura-se-me que o próximo acto eleitoral será um verdadeiro desastre para o Partido Democrático.
Vexa, com a sua inteligência, o seu reconhecido bom senso e a sua habilidade política é que podia dar até ali uma chegada e por termo a tais desavenças, conseguindo que de ambos os grupos houvesse transigências que não humilhassem, mas que servissem para fortalecer o Partido.
Desta forma vamos muito mal.
A causa deu-me Vexa a conhecer pela leitura do último número do “Povo”.
Vexa nem imagina como isto por ali corre.

Creia-me de Vexa

Damião Lourenço Júnior

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domingo, agosto 21, 2005

Alfredo Ernesto de Sá Cardoso (1864 – 1950)

Nasceu em Lisboa. Após os primeiros estudos, ingressou no Colégio Militar e, depois, na Escola do Exército, onde cursou a arma de Artilharia. Assentou praça em 1880, prosseguindo a carreira de oficial do exército (alferes, 1886; tenente, 1888; capitão, 1900; major, 1911; tenente-coronel, 1915; coronel, 1917) que o leva­ria, em 1924, ao posto de general.
Mobilizado na campanha da Lunda, de cujo governo distrital viria a ser secretário (a partir de 1888), foi governador da for­taleza de S. Francisco do Penedo e, nos anos de 1917-1918, pertenceu ao Corpo Expedicionário Português. Desempenhou também o cargo de vogal do Conse­lho de Trabalhos Balísticos.
Teve um filho ilegítimo em 1902, o qual reconheceu no ano seguinte. Casou aos 63 anos, em 1927, com Gabriela Beauregard Moreira de Sá de 51.
Filiado no Partido Republicano Português, foi membro da respectiva Junta Consultiva (1913) e chefe indigitado do partido (em 1919). Passou também pelo Partido Reconstituinte, que fundou com Álvaro de Castro, e pela Acção Republicana, de que foi presidente. Membro da Maçonaria desde 1893, foi iniciado na loja Portugal com o nome simbólico de Alaíde, ascendendo ao grau 33. O que não impediu de abjurar o facto, assinando em 1934 uma declaração de honra na qual afirmava não pertencer a qualquer organização secreta.
Foi participante activo na campanha republicana, ainda na vigência da Monarquia, tomando parte nos acontecimentos de 31 de Janeiro de 1890 e de 28 de Janeiro de 1908. Integrou o Comité Militar para a proclamação da Repú­blica e foi interveniente na revolução de 5 de Outubro de 1910. Com o triunfo republicano, passou a chefe de gabinete de Correia Barreto (1910-1911) e, depois, a governador civil da Madeira (1913-1914). Integrando o agrupamento «Jovem Turquia», chefiou o movimento sangrento de 14 de Maio de 1915. Tomou parte na resistência contra a revolta sidonista de 5 de Dezembro de 1917, tendo conhecido a prisão em 1918-1919. Neste último ano, fiel à sua índole republi­cana, participou na ofensiva contra a «Monarquia do Norte».
Teve assento parlamentar, por Viana do Castelo, em 1913, 1915, 1919 e 1922, presidindo à Câmara dos Deputados neste último ano. Esteve à frente do governo de Junho de 1919 Janeiro do ano seguinte e, novamente, de 16 a 21 de Janeiro de 1920. Voltaria a parti­cipar no executivo, no ministério do Interior, entre Dezembro de 1923 e Julho de 1924. Ao tomar conhecimento da sentença da revolta dos Fifis, devolveu todas as suas condecorações.
Com o advento da Ditadura, foi outra vez preso (1926), vivendo em regime de residência fixa, em Cabo Verde e nos Açores, entre 1927 e 1933. Regressou a Portugal em 1934 para fundar a Aliança Republicana. Viria a falecer em Lisboa, a 24 de Abril de 1950.
NOTA: Da consulta que fiz do processo de Sá Cardoso disponível no Arquivo histórico militar, descobri que ele pediu a 26 de Agosto de 1910, licença por 45 dias para tratamentos médico (cura de águas) de uma doença que ao tempo era incurável. Pediu a suspensão da licença no dia 20 de Outubro de 1910.
Parlamentares e ministros da 1ª República - Marques, Oliveira(coord.). Assembleia da República, Lisboa, 2000
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quarta-feira, agosto 17, 2005

Para a Guerra rápido e em força

Um belicoso Sá Cardoso, deputado por Viana do Castelo, escreve a Raimundo Meira acerca da não concretização de uma projectada viagem a Viana do Castelo e sobre a sua desilusão perante os ventos pacifistas e neutrais que sopram em Lisboa.

Lisboa, 8-8-1914

Meu caro Meira

Em vistas das circunstâncias em que nos encontramos hesito em ir a Viana.
Parece-me que não é esta a ocasião para se tratar de política e para poder ser mal interpretada, e até explorada pelas oposições a minha viagem.
Então o M. Pinto vai para Africa sem dizer nada a ninguém?
Que tais estão as opiniões por aí acerca da guerra?
Eu por cá, e comigo muita gente, estou desanimado com o caminho que as coi-sas estão a tomar, pois estou a ver que, apesar do que se passou no Parlamen-to, nós ficamos neutros ou coisa parecida, não tomando parte na contenda.
Será uma dos diabos se tal sucede.

Escreva quando poder

Um abraço do seu amigo

Alfredo de Sá Cardoso

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segunda-feira, agosto 08, 2005

Dificuldades de progressão

Em 25 de Julho de 1914, Raimundo Meira recebe uma carta do seu camarada de armas, Afonso Dias Branco, a agradecer um favor prestado. Afonso Branco, orgulhoso monárquico lamenta as dificuldades que o regime lhe coloca na progressão da sua carreira.

Lisboa, 25 de Julho 1914

Meu caro Meira

Recebi a tua estimada carta e agradeço-lhe a lealdade e franqueza que eu sempre de si esperei.
Já sabia que se dizia de mim o que o meu amigo me conta, pois o Marques (General) tinha-me contado isso.
É fantástico como na actualidade se invoca e trata de comprometer toda a gente. O meu caro Meira que me conhece há muitos anos, sabe que eu nunca fui politico e se antigamente falava de assuntos políticos, não era para defender este ou aquele grupo, pois muita vez nos falávamos e se bem se […] não se […] um grupo de oficiais de Artilharia 5 para […] ao Pimentel Pinto pela minha intransigência secundada por si.
Agora depois da implementação do actual regime, tenho me abstido por completo de falar em coisas publicas.
A ideia de ir para Governador Civil é extraordinária. Mas deixamo-nos disso, que não vale a pena a discussão.
Do Meira esperarei sempre que me faça justiça, não acreditando em boatos.
A pretensão é de meu filho, republicano muito antes de 5 de Outubro e o meu interesse é natural, devido a ser meu filho que de certo está aqui separado de mim, visto ter constituído família.
Agradeço-lhe o serviço que me prestou desinteressadamente da questão o que representa muito a favor da pretensão do rapaz. Creia que considero um grande favor o que proceder.
Então o Ramos também vai à junta? Já não contava com essa vaga. O pior é que me não chamam a tirocínio antes de acabar o curso de tiro que é a 22 de Agosto.
É necessário para Major ter tudo para mim, ao passo que para os outros tudo foram facilidades.
O meu caro Meira mande sempre no que vir que este terrível talassa lhe possa ser útil. Estou sempre ao seu dispor com muito gosto.
Receba um grande abraço

Do seu amigo e Camarada

Afonso Dias Branco

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quinta-feira, agosto 04, 2005

A carta ao "Larápio" Vaz-Guedes

Cópia da carta, por mim escrita ao larápio Vaz Guedes

O velho republicano e honestíssimo cidadão Raimundo Martins tinha há tempos afirmado que V.exa era um dos mais acabados canalhas que ele tinha conhecido; e eu, nesta minha ingenuídade alta de aldeão primitivo duvidei da verdade contida na sua extraordinária afirmação.
Hoje, porém, pela carta que me acaba de escrever, acho que o cidadão Raimundo Martins foi extremamente misericordioso com V.exa, senão vejamos.
Você ao autorizar-me na presença de sua esposa, a fazer a despeza com a sua eleição, não me limitou a quantia que eu poderia dispender.E se você não fosse um autentico saloio em trabalhos eleitorais neste concelho, deveria saber que algumas centenas de cidadãos eleitores distantes quinze, vinte quilómetros das assembleias eleitorais e que foram esses pelo menos, os que fizeram a despeza que, eu repito, você me autorizou a fazer.
Dizer que na assembleia de Távora só votaram os eleitores de Padreiro é mentir com um descaro que qualquer bando monárquico lhe pode invejar com o mesmíssimo descaro afirma você que, sendo a vitória minha, como afirmei em letra redonda, devo ser eu quem pague as despesas eleitorais, conto se você, no momento em que me autorizou essa despesa não conhecesse a minha irredutibilidade com a malta de "escroques" e malfeitores, perante os quais você agora (e sempre!) cai de cócoras. Sim a vitória foi minha e dos meus dedicadissímos amigos, mas foi você infelizmente, quem com ela exclusivamente aproveitou, não podendo você ignorar o esforço prodigioso que tive de empregar para evitar que o corressem aos pontapés da lista dos candidatos pelo circulo n.º 1. Socegue, porém, você: Tenho sido roubado por muitos patifes, cujos nomes tenho arquivados para um final ajuste de contas.
Desvanece-me porém a ideia de que no alto da lista dos variadíssimos bandidos que me tem assaltadoa bolsa figura o seu nome de deputado idiota, com as seguintes notas elucidativas da sua psicologia de criminoso encoberto:
Pulha, larápio e ... deputado democrático com garfada de costela de fidalgo.
Falta-me o tempo para apreciar devidamente a sua carta de garoto de esquina, mas não perderá com a demora.

José Guimarães

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O fim da travessia

Já nas costas Brasileiras, José de Sousa Guimarães escreve novamente a Raimundo Meira a dar conta das suas esperanças num futuro melhor em terras de vera-cruz.

A bordo do Orduña, 28-06-1914

Meu querido amigo

Chego amanhã a Pernambuco onde deitarei esta carta. Deve ter recebido três ou quatro cartas que lhe escrevi sobre o caso de São Tomé e sobre a minha pronúncia. Hoje, mais a sangue frio, digo-lhe que estou resolvido a ficar no Rio, no caso de ser bem recebido logo de entrada.
Dizem-me que me não será dificil arranjar a ser médico numa fábrica qualquer, o que me renderia um ou dois contos de reís fracos por mês. Tendo eu então tempo de sobra para criar uma clientela.
Portanto, quando chegar ao Rio, verei se as coisas me correm bem e de lá escreverei. Peço-lhe que faça contar que estou no Maranhão, a fim de que os bandidos dos Arcos me deixem em socêgo.
No caso de ser infeliz, peço-lhe que reserve, se for possível durante um mês, o lugar de médico de São Tomé se conseguir arranjar com o auxílio do Dr. Damião a quem também já escrevi.
Mando-lhe uma cópia da carta, por mim escrita ao gatuno do Vaz Guedes. E previno o meu bom amigo com toda a lealdade de que pedi a todos os meus amigos dos Arcos para votarem nos candidatos democráticos, menos no larápio que me roubou.
Respeitosos cumprimentos à sua excelentíssima esposa e um abraço do

Muito dedicado e afectuosissímo

José de Sousa Guimarães

PS: Vai muita gente enjoada a abordo, menos bem que vou bem disposto, ape-sar do mar, nesta altura está bastante agitado.
JG


A experiência de José de Guimarães na Brasil será muito curta, voltará a Portugal antes do fim do ano de 1914.

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quarta-feira, agosto 03, 2005

José de Sousa Guimarães (1871 - 1946)

Nasceu na Freguesia de Real, em Braga, em 15 de Novembro de 1871. Filho de José Joaquim de Sousa e de Rosa Maria Ferreira Guimarães.
Assentou praça como soldado no Regimento de Infantaria 8, a 30 de Maio de 1897. Tirou o curso de medicina na Escola Médico-Cirúrgica do Porto, onde se licenciou em 1905. Em 1 de Março de 1906 é promovido a Alferes Médico Miliciano. Em 1911 é transferido para o Regimento de Cavalaria 11 em Braga.
Demitiu-se do Exército em 15/06/1914, alegando que as obrigações de um Alferes Médico Miliciano impedirem-no de prestar serviço como médico municipal de Arcos de Valdevez, mas exila-se no Brasil imediatamente a seguir, fugindo a um processo-crime por tentativa de homicídio frustrada.
Em 1916 pede a reintegração no exército, a qual é deferida. È promovido a capitão em 24 de Setembro de 1917. Embarca para França dois dias mais tarde.
Colocado em Brest no Corpo médico português é Louvado em Fevereiro de 1919 pelo seu desempenho na luta contra a tuberculose e tifo, doenças que atacavam mais de 70% das praças do Exército Português. Em Agosto de 1919 foi-lhe atribuída a Ordem de Aviz.
Desempenhou as funções de Vice-cônsul de Portugal em Brest entre 1919 e 1929.
Quando volta definitivamente a Portugal fixa residência em Guilhadezes, Arcos de Valdevez. Passou à Reserva em 1930 e reformou-se em 1936.

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O R.M.S. Orduña

O Paquete onde José Guimarães viajou para o Brasil, era o R.M.S. Orduña, lançado à água nesse mesmo ano de 1914, para a Pacific Steam Navigation Company (PSNCo), empresa subsidiária da Royal Mail lines, operou na carreira do Atlântico sul até 1921 e a partir daí na linha Hamburgo – Nova Iorque. Durante parte da primeira guerra mundial foi transformado em Navio Hospital. O R.M.S. Orduña foi torpedeado em 1941. O Orduña tinha mais dois irmãos gémeos o R.M.S. Orbita e o R.M.S. Orca

Um Democrático perseguido por … Democráticos

José de Sousa Guimarães, oficial médico miliciano dos Arcos de Valdevez (Ver cartas de Manuel Joaquim Lourenço e Queiróz Vaz Guedes) acusado de tentativa de homicidio involuntário, fruto de uma discussão política com um carpinteiro, demite-se do Exército a 15 de Junho e foge para o Brasil no Paquete Britânico R.M.S. Orduña.
Guimarães, republicano até à raiz dos cabelos, tem de fugir do país devido à perseguição que lhe é imposta pelos seus proprios correligionários, e encontra-se dentro de um navio carregado de refugiados... monárquicos, que fogem por sua vez fogem às perseguições republicanas dos aliados e inimigos de Guimarães.
Apesar de perseguido, José Guimarães roga por uma colocação em São Tomé e Príncipe, pois de acordo com as suas próprias palavras:
"Antes na Africa entre negros que no Brasil entre Talassas ..."

A bordo do Orduña 20/06/1914

Meu querido amigo

Principiam a turvar-se-me os ares...
Encontro-me a bordo com um grupo bastante numeroso de Portugueses, quasi todos talassas até à raiz do sabugo.
Ontem ao ouvir incomensuráveis patacoadas, insultos à república e ao Dr. Afonso Costa, perdi as estribeiras e disse-lhes duas das minhas. Vá lá o homem ter mão nos nervos e meter uma rolha na boca!
Quer me parecer que não aguento no balanço com semelhantes esmolas à parva. Escrevi ao Damião para Caminha e vou-lhe escrever também para a câmara dos Deputados. Quem dera que ele arranjasse o tal lugar em São Tomé! O médico António Guerra que de lá veio nada sofreu com o clima, que é suportável no interior da ilha onde ele esteve.
Veja o meu bom amigo se, por intermádio do ministro dos estrangeiros, posso conseguir esse lugar que é de rendimento certo. O ministro é da intimidade do Marquêz de Vale-Flor, e com o ministro deve se dar o Major Sá Cardoso ou outro qualquer dos seus amigos.
Oxalá que eu chegasse ao Rio e tivesse lá um telegrama a mandar-me regressar!
Se o meu bom amigo tivr qualquer coisa a dizer-me pode escrever para a Rua do Barão de Itapagiripe, 408 – Rio de Janeiro.
Peço-lhe este favor pelas criancinhas que deixei no alto minho.
Antes na Africa entre negros que no Brasil entre Talassas de miolos de granito a quem diariamente vou ouvir canalhices contra a republica e contra o meu partido.
Afectuosos cumprimentos à sua excelentíssima esposa e um grande abraço do
J. Guimarães

PS: A Lista que aqui lhe deixo dos amigos dos arcos a quem pode auxiliar em qualquer pretensão é contituída pelos seguintes indivíduos:
António Ramos
José Galvão
Simão Santana da Rocha
António Luis de Amorim
José de Barros Lima
Joaquim Manuel de Araújo
José Manuel de Brito Dantas
Há outros que o meu bom amigo conhece,
JG

terça-feira, agosto 02, 2005

Rodrigo Luciano de Abreu Lima (1884-?)

Nasceu a 6 de Abril de 1884 em Vila Nova de Gaia. Funcionário público foi chefe da Repartição Superior da Administração Pública e Civil de Angola e Secretário do Interior do mesmo território. Foi administrador de vários concelhos, ficando especialmente ligado a Viana do Castelo, onde foi presidente da Câmara* e chefe de secretaria da Junta Geral do Distrito e deputado em 1925 pelo Partido Democrático em 1925
Parlamentares e ministros da 1ª República - Marques, Oliveira(coord.). Assembleia da República, Lisboa, 2000
* O que o Livro de Oliveira Marques não refere é que Rodrigo d’ Abreu Lima foi o primeiro presidente da Câmara de Viana do Castelo após o golpe de 28 de Maio de 1926. Uma grande cambalhota para quem, até ao dia anterior era um violento republicano radical, como o teor das cartas posteriores irá dar a conhecer aos caros leitores.

Caciques Minhotos

A segunda metade do ano de 1914, foi prolífica em lutas partidárias, mas ao contrário do resto do país, em que estas lutas se realizavam entre os três grandes partidos do regime, no distrito de Viana do Castelo a violência imperava dentro do Parido Democrático, onde em cada concelho existiam várias facções que se digladiavam entre si, chegando a ocorrer combates de rua, tentativas de assassinato, panfletos anónimos e assinados. Em suma poucos poleiros para tantos galos. Raimundo Meira, a eminência parda do poder democrático em Viana do Castelo a tudo assistia da Serra do Pilar, mais preocupado com a sua carreira militar que com a sua carreira política.
A sua condição de eminência parda permitia-lhe ser o único dirigente que os caciques concelhios reconheciam pelo que em Vila Nova de Gaia tinha uma visão profunda do que se passava no terreno.
Em 15 de Julho de 1914, o seu homem de mão, Rodrigo Luciano de Abreu Lima, escreve-lhe a dar conta do acto eleitoral em Ponte de Lima que ocorreu para o lugar de deputado que Manuel de Oliveira, portador duma doença fatal, colocou à disposição.

Meu caro amigo

Cheguei hoje de Ponte de Lima. Aquilo está fraca coisa. Os partidos monárquicos votaram todos contra o Oliveira proclamando aos quatro ventos que aquilo significava uma parada monárquica e era uma demonstração de força. Os Abreus Coutinhos, pai e tio do deputado não auxiliaram o Oliveira. O Pai ficou em casa sem pedir um único voto a favor, arranjando alguns por baixa – não contra.
O Tio andou na sua, foi ele mesmo à urna com os filhos todos! Os evolucionistas não votaram a não ser nos seus, que o fizeram por questões particulares, como fosse hostilidade ao Ramalho.
O Lemos não votou e condena o facto que crimina de uma infame manipulação monárquica.
Quanto à reunião vai ser feita por estes dias e vamos amanhã fazer os convites,
O Oliveira diz que não será bom dar já a cadeira do deputado sem primeiro ouvir o Directório, bem como sem ver mais uns dias no que param as modas. Deixando pouco um lugar em aberto p´ro que der e vier. Diz que acha magni-fica a conquista do Luciano. Eu chego aí no dia 17 à tarde ou no dia 18 de manhã para o congresso.
À noite escrevo mais circunstanciadamente.
O Oliveira está muito chocado com tudo aquilo. É gente sem dignidade e pode de um momento para o outro como vingança, passar para o partido contrário, apesar das suas afirmações de ferrenhos monárquicos.

Seu amigo certo

Rodrigo de Abreu

PS: O pobre do Guimarães lá foi hoje para o Brasil!
È o que me espera! Se lá me deixarem chegar os Talassas ...
Os monárquicos dizem que não vão à urnas nas eleições e pedem para ficar em casa

Manuel José de Oliveira (1877 – 191…)

Nasceu a 23 de Março de 1877 em Marrancos, Vila Verde. Era irmão do Advogado Joaquim José de Oliveira (Ministro da Instrução em 1919/1920). Estudou no Liceu de Braga e formou-se em Medicina pela escola Médico-Cirúrgica do Porto. Médico municipal de Ponte de Lima e redactor dos jornais “A Alma Nova” e “A Pátria”, onde desenvolveu forte propaganda anti-clerical. Organizou o comité Académico-Operário, por ocasião do caso Calmon, que deu origem à primeira Universidade livre de Portugal. Foi eleito deputado à assembleia constituinte e, depois, senador pelo círculo de Ponte de Lima.
Parlamentares e ministros da 1ª República - Marques, Oliveira(coord.). Assembleia da República, Lisboa, 2000

Um Lugar livre

Manuel de Oliveira, deputado do Partido Democrático pelo círculo de Ponte de Lima, escreve a Raimundo Meira a dar-lhe conta da sua desistência do lugar que ocupa no Parlamento motivada pela existência de uma doença incurável.

Meu caro e prezado amigo

O Afonso esteve aqui no passado Domingo. Expus-lhe a situação política deste concelho dizendo-lhe o que sempre pensei quanto a quem deve chefiar a política do distrito que tem de ser imperiosamente V. Exa.
Agradeço-lhe muito cordialmente as palavras da sua carta, mas eu é que tinha, por motivos de saúde, profundamente abalada, de abandonar esta terra e a política activa. A minha doença é incurável e não se propaga a ninguém. Tenciono aproveitar o tempo que me resta de vida ….

Esta minha resolução é inabalável. Tenho um grande amor pela República e pelo Partido Democrático e por isso fico como …. (Ilegível)


Manuel Oliveira