segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Um Pasquim Violentissímo

Manuel José de Oliveira e Francisco de Abreu Coutinho, apesar de fazerem parte do mesmo partido e, segundo Oliveira, este o ter ajudado no passado, odiavam-se mutuamente. Abaixo transcrevo o Pasquim Violentíssimo, a que Manuel de Oliveira se referiu na carta anterior.
Chamo a atenção para o Português utilizado.

Ao Médico Manuel Oliveira
No último número do “Comércio do Lima” esvurmou as suas baboseiras sua excelência “A Sumidade”. Não satisfeito com o desprezo absoluto a que maior parte das gentes de senso o tem votado, pretende dar sinais de vida piando as suas sandices nas colunas duma gazeta suja. Traz ainda afivelada ao rosto a máscara que sempre usou como boa figura de Entrudo que é, mas a sua língua viperina escorre o veneno preciso para que imediatamente o possamos conhecer. Pena é que as três cruzes que rematam a tal boa nova, inserta no último número da desqualificada gazeta, não estejam marcadas a fogo na testa do inconfundível charlatão. Constituiriam um excelente aviso a todos aqueles que, por qualquer motivo, tivessem de aproximar-se da cómica personagem.
Nos artigos que publiquei há tempos no “Cardeal Saraiva” chamei por mais de uma vez a uma luta leal e franca no campo da imprensa esse politiqueiro das dúzias que constantemente oferece nas suas ridículas megalomanias, os melhores assuntos para revistas de ano nos barracões de feira. Nunca apareceu o conspícuo esgrimista da sombra, ao combate leal e decisivo onde cada um dissesse placidamente de sua justiça para que o publico afinal sentenciasse, prefere a situação acomodatícia do anonimato na errada suposição de que assim fugirá à responsabilidade das suas façanhas de baixo estofo.
Engana-se.
Não satisfeito ainda com a primeira carga que apliquei nos científicos lombos de sua excelência, mostrando aos leitores do “Cardeal Saraiva” o quanto ele para aí pretendeu intrujar a respeito da estrada da circunvalação, aguardo para nova carga, a esplêndida ocasião que em breve me oferecerá de rebater os desconchavos que, a meu respeito, o potentíssimo sábio se permitiu despejar.
Relatarei então as suas deslealdades, as suas garotices e a sua desvergonha; explicarei os seus processos de politiqueiro barato e charlatão que se julga com competência para tudo na sua “vaidade” pasmosamente imbecil; examinarei uma a uma as suas descabeladas acusações que a meu respeito, escondidamente, se permitiu fazer, as quais esse trapalhão vulgar não tem coragem de trazer à imprensa, e por último farei a história das célebres cómicas representações dirigidas à importantíssima pessoa, que ele próprio mendigou e compôs, nos recônditos da sua imensa biblioteca de sábio, ao som dos apoiados alvares da camarilha que o rodeia, e que apenas tem servido para provocar a gargalhada, criando-lhe o direito indiscutível de ser considerado o melhor exemplo da bobice contemporânea. Depois tudo trarei a público, e explicarei mais, com inteira precisão o que entre mim e a referida “Sumidade” se tem passado, e as suas causas, relatarei o que houve com relação à proposta do meu nome para deputado da nação, quais são os pretendidos favores que o grande sábio diz ter-me prestado e quais os que ele recebeu de mim em três anos de politica (a fim de que, em saldo de contas, se apure qual de nós é o credor) e narrarei os últimos pormenores sobre o caso da estrada da circunvalação (do qual, assim como de outros, o mesmo sábio tem feito verdadeiros contos do vigário), sobre a eleição da câmara e sobre a eleição da misericórdia – na qual o poderosíssimo influente político obteve aquele grrrandesíssimo triunfo que todos conhecem e tiveram a ocasião de admirar.
Por agora, desafio a que venha declarar na imprensa quais são – as ambições e os inconfessáveis interesses particulares – a que se refere na sua arenga de Domingo, o arranjista médico municipal, o tiranete de papelão, o ridículo Sancho Pança, o médico com quem todos os seus colegas desta vila estão – uns de relações cortadas, outros de relações frias, o bobo de comédia, que há muito diz que vai embora e que vende a casa mas tudo diz e faz para inglês ver, o politiqueiro de três ao vintém a quem meia dúzia de insignificantes, que giram em torno de si, a toda a hora proclamam como o político mais arguto do país, o homem mais fino da Europa, e o milagreiro maior do mundo.
Se não responder ao desafio que lanço, explicando-se com clareza, ficará considerado o mais vil caluniador.
De resto, pode à vontade o sapientíssimo homem de Marrancos continuar com as suas alfinetadas. Tenho a minha pena para lhe fustigar as untuosas e científicas costelas.
Outubro de 1914Francisco de Abreu Coutinho

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