segunda-feira, julho 21, 2008

Atirar a toalha ao chão

Adriano Pimenta escreve no dia 20 de Maio a Simas Machado dando-lhe conta do seu desencanto com a nova situação e não aceitando o convite para ingressar no Partido Evolucionista, optando por retirar-se da vida política.

Meu amigo

Escrevo-lhe sob a impressão dos últimos acontecimentos; e, todavia, com a fria serenidade de absoluta descrença e desencanto. E isto me parece, também, ser ensejo próprio e inadiável de responder à sua carta a definir a minha atitude perante a sua amizade.
Tardei em responder-lhe, absorvido com andava em regular coisas íntimas de relativa urgência e forçado, a seguir, a um conveniente repouso por um estado de saúde, que de todo me preocupou.
São estes os motivos e não outros, que foram retardando esta carta, que lhe devia; não pensando sequer, que a qualquer equivoco se prestou o meu retraimento. Conhecemo-nos bastante bem para que eu não duvidasse em confiar-lhe, à sua amizade inteligente, qualquer circunstâncias delicadas que me cortavam o empenho de alinhar ao seu lado e ao dos seus amigos se, melhor pensando, outra orientação tomasse. E assim poupei-me a este esforço, que os meus nervos, a esse tempo, mal consentiriam, tanto mais que me pareceu que a minha resposta era apenas formal e cuja demora não podia ferir a susceptibilidade de amigo.
Enganei-me, pelo que discretamente me informam e eu depreendo. Esse equívoco deu-se. E se muito lamento pela nossa amizade, ela vem mostrar-me, mais uma vez, quanto me é avessa a política. Nela me sacrifiquei e não ganhando amigos novos, quase corri o risco de perder os antigos.
Neste momento, porém, em que nós adivinhamos as dolorosas coisas, que nos perturbam, eu sentiria que um equivoco fosse uma recordação amarga entre nós ambos.
Daí esta explicação que lhe devia.
Posto isto vou responder à sua carta, correspondendo ao honroso convite que me faz para ingressar no partido evolucionista. E responderei com a lealdade que nos devemos à nossa amizade.
Conhece, porque tantas vezes lhe afirmei a minha simpatia pelo partido evolucionista. E disso dei provas, na última fase da minha modesta acção parlamentar, combatendo ao lado dele na defesa da justiça e moralidade republicana. E fi-lo espontaneamente, posto que nem sempre, (vá dito de passagem) lá encontrei a melhor das solidariedades.
Era que se harmonizavam com muitos dos meus pontos de vista; e os seus processos distanciavam-se infinitamente de uma democracia brava e inculta de selecção regressiva, que agora tripudia, sem decoro, sobre os farrapos de uma pátria.
E porque, quaisquer que fossem as nossas divergências e friezas, eu faço justiça ao Dr. António José de Almeida cujo carácter é para mim garantia segura de que, sob a sua direcção, a República não voltaria a ser a agência de negócios escuros para clientes vorazes. Isto considerei-o eu como fundamental, porque não pode ser outra a orientação da República, que se fez e o país acatou, menos, por considerações de ordem filosófica ou política, do que por uma afirmação moral.
Era pois lógico que fosse a esse partido que eu desse toda a minha cooperação, ao lado dos homens. O meu amigo, no dia em que me determinar, por um dever moral, a abandonar o retraimento político em que me isolei.
Somente, a minha filiação partidária dependeria da oportunidade que logicamente me imporem o ingresso de novo na política e depois de esclarecidos alguns pontos de vista da acção politica desse partido e que eu considero essenciais. Isso se combinou, como sabe, constando como um simples incidente, fácil de remover, o estado das relações tensas entre mim e o Dr. Almeida. Na refrega política jogamo-nos alguns agravos, sem afectar, creio eu, o carácter de cada um; e entendi sempre que, nestas circunstâncias, os superiores interesses do país e da República sobre elevavam em muito às arranhaduras de vaidades.
O rumo que, a seguir, tomavam as coisas políticas, o emaranhou de uma situação cada vez mais complexa em que mal se podia prever a atitude de cada um, retardavam a oportunidade, parecendo mesmo que a minha intervenção na vida do partido seria mais prejudicial que profícua, mercê de possíveis discrepâncias, que no momento eu antevi.
Hoje, ante os últimos acontecimentos, no seu duplo aspecto de golpe de estado e de cobardia, eu sinto que para mim desinteresso-me de um regímen cuja agonia ameaça matar a própria. Dizem os papéis que a República está condenada. Pois meu amigo, nunca a via tão próxima do seu fim, ante a repulsa e a antipatia duma opinião que percebe muito bem que a mentira oficial esconde apenas o triunfo efémero de uma demagogia cada vez mais opressiva e tirânica e pressinto que já não é com as reacções internas que nos salvaremos tão cedo do “democratismo”, que em nada escrupulisa.
Oxalá que me engane e que a nação por algum dos seus homens de inteligência e carácter possa sacudir, antes de mais desastres, por um repelão da consciência colectiva, a quadrilha que nos infama.
Até lá, meu amigo, não estou disposto a pegar no andor do Afonsismo bárbaro e vilão. Porque é dar-lhe alento até o combatê-lo. O que é preciso é isolá-lo, abandonando-o ao impulso da sua incompetência e ambição.
Para despertar a consciência pública é necessário que o país fique sozinho e bem em frente do bando democrático, a aparar-lhe os golpes, sem o anteparo das oposições.
E quando sentir quanto lhe doe é possível que tome juízo.
Voltarei, portanto a ser o que dantes era; um amigo seu, devotado mas sincero e orgulhoso do seu carácter e cioso da sua estima.
Á política deu ficar alheio.

Abraça-o

Seu amigo

Adriano Pimenta

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domingo, julho 13, 2008

Entregando as Chaves

A 18 de Maio, Artur Jorge Guimarães escreve a Simas Machado a dar-lhe conta das perseguições de que estava a ser alvo por parte de apoiantes do Partido de Afonso Costa. Alertado por um amigo, o medo foi tão grande que Artur Guimarães foge de casa, demite-se e envia na carta, as chaves do centro republicano evolucionista a Simas Machado.

Porto, 18/5/1915

Meu Exmo. Camarada e prezadíssimo amigo

Nos agitados dias que passaram não pude falar-lhe, embora procurasse por várias vezes fazê-lo. Na segunda-feira (17 de Maio) saí para cumprir com as obrigações que estão a meu cargo e julgava poder continuar a minha vida habitual, pois nunca julguei que pudesse ser perseguido por republicanos por pertencer a um partido republicano, que só tem honrado a republica. Porém procurou-me na minha casa pessoa categorizada e chefe revolucionário que me foi pedir para me retirar da minha casa e afastar-me por algum tempo daqui. Estranhei tal pedido e respondi-lhe o que a minha consciência e a minha dignidade me ditavam. Porém, as razões que me expôs convenceram-me a retirar. Não sei ainda ara onde irei, mas antes de partir era meu dever comunicar-lhe o que se passava e dizer-lhe, antes de escrever ao Dr. Almeida, quais as disposições do meu espírito, ante a tremenda catástrofe que abalou tão desgraçado país. Completamente desiludido, perdida toda a fé, julgando mesmo já impossível de realizar o programa do nosso partido, único que poderia dar a felicidade a este povo e assentar em bases sólidas a republica eu resolvera retirar-me completamente da política diante da hecatombe. Retirava-me por julgar inútil, todo o meu esforço por maior que ele pudesse ser. Mas depois de me ver perseguido pelos próprios republicanos a quem eu sempre ajudei quanto pude, não procurando mesmo saber a que partido pertenciam, pois nunca nutri ódio ou desprezo por ninguém, eu julgo que só tenho um caminho a seguir que é o de me retirar completamente de tudo. Assim lho comunico, antes de o fazer a mais ninguém, pela muita estima e consideração que me merece.
Peço-lhe o favor de transmitir aos nossos dedicados correligionários as razões expostas e pelas quais não me poderão ver ao seu lado, não esquecendo o Alfredo de Magalhães cujo carácter muito apreciei sempre. Junto remeto duas chaves, sendo uma da porta do centro e a outra da secretária. Muito desejava saber as impressões do meu bom amigo e se tiver um momento disponível pode escrever-me para a minha casa, Avenida do Brasil, 791, porque ficou lá pessoa encarregue de me remeter a correspondência. E disponha sempre do exilado.

Do amigo muito dedicado
Arthur Jorge Guimarães

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quarta-feira, julho 02, 2008

O novo Governo

O Governo indigitado pela junta revolucionária era presidido por João Chagas (1) e era constituído por (2) Magalhães Lima – Instrução; (3) Teixeira Queiroz – Estrangeiros; (4) Fernandes Costa – Marinha; (5) Manuel Monteiro – Fomento; (6) José de Castro – Guerra; (7) Paulo Falcão – Justiça e (8) Barros Queiroz – Finanças.

Apesar de o novo governo ter apenas um ministro oriundo do Partido Democrático (Monteiro) era na realidade totalmente controlado por ele, pois Magalhães Lima, Chagas, Teixeira Queiroz e Falcão eram republicanos históricos desde o tempo da Propaganda e completamente fieis a Afonso Costa. Barros Queirós era Unionista e Fernandes Costa filiado no Partido Evolucionista, participava no governo a título pessoal pois António José de Almeida retirou-lhe a qualidade de representante do partido.

No entanto João Chagas nunca chegaria a tomar posse. Vindo do Porto no Comboio da noite, Chagas sofreria um atentado no Entroncamento perpetrado pelo Senador João de Freitas que o baleou na cabeça e tórax. Chagas perdeu um olho, mas salvou-se milagrosamente. Para o Senador João de Freitas não houve milagre. Preso pela Guarda Republicana do Entroncamento, foi adequadamente abandonado na sala de espera, onde a Formiga Branca o espancou até à morte.

Com João Chagas debatendo-se entre a vida e a morte, José de Castro (O decano) assume a presidência do Conselho de Ministros.

No dia 18 de Maio ocorre a primeira reunião do novo executivo. O jornalista de “A Capital” interpela alguns dos ministros.

Magalhães Lima afirma que irá pagar os ordenados em atraso e que no ministério irá continuar a “obra propagandística do ideal republicano”.

Manuel Monteiro afirma sinceramente que “Vim de Braga sem saber que ia ser encarregado da gerência de uma pasta. Ainda quis furtar-me, mas não pude.”

José de Castro, afirma que o objectivo do governo é “Pacificar a família republicana e garantir a todos os cidadãos, o livre exercício dos direitos que a Constituição lhes faculta. […] A nova revolução demonstrou que a República é o regime do povo, que para a defender é capaz de todos os sacrifícios e provou que não é possível a nenhum governo atropelar a Constituição nem desrespeitar as leis. Procederemos de harmonia com a vontade do povo, que é a grande força que nos apoia.”
Populares armados (Formiga Branca) festejando a vitória
Foto de Anselmo Franco – Arquivo fotográfico da C.M.L.

José de Castro, falou e o governo cumpriu. No entanto o “Povo” a que ele se refere não é constituído pela grande massa do operariado rural e urbano analfabeto. O “Povo” de José de Castro são os pequenos comerciantes, funcionários públicos menores; a pequena burguesia urbana que compõe as hostes radicais da formiga branca. No dia 14 de Maio foram estes 15 000 homens que pegaram em armas e nas futuras eleições será este “Povo” que irá autorização para votar - 16 000 votos no Partido democrático e quase 7000 nos restantes partidos. Apesar de a taxa oficial de abstenção ser de 40%, apenas votaram 18.6% da população masculina maior de 21 anos.

Fontes:
"A República Velha (1910-1917) Ensaio", Valente, Vasco Pulido, Gradiva, Lisboa 1997
"O Poder e a Guerra 1914-1918", Teixeira, Nuno Severiano, Estampa
"História Politica de Portugal 1910-1926, Wheeler, Douglas L., Europa-América
Jornal "A Capital"

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